(foto: Tiago Drummond) |
Criado
por Luciana Bueno, o negócio começou para ajudar modelistas que precisavam de
variedade de tecidos em pequena escala. Agora, se prepara para atender demandas
de grandes empresas.
Quando
decidiu mudar seu escritório de endereço, depois de 25 anos de carreira, a
cenógrafa e figurinista Luciana Bueno, 47, se viu com nada menos que 500
quilos de tecido, acumulados ao longo do tempo. O imóvel na Vila
Leopoldina, zona oeste de São Paulo, recém-comprado para abrigar seu ateliê e
escritório tornou-se essa espécie de depósito comunitário. Ali, ela teve a
ideia de ajudar quem precisasse desse material, oferecendo um espaço de troca
entre amigos e profissionais do ramo das artes.
No
início, era apenas um jeito de dar uma boa utilidade a metros e metros que
haviam sobrado de produções passadas. Logo Luciana percebeu que não era um
problema só de quem trabalha com arte e a inconformidade com o desperdício
atingia mais gente. Hoje, a ideia cresceu, ganhou nova dimensão e contorno, e
ela tornou-se a sócia-fundadora de um negócio social chamado Banco de Tecido, cuja
proposta é tão simples quanto inédita: fechar o ciclo entre quem precisa de
pequenas metragens de tecidos e quem tem esses cortes sobrando e não vai mais
utilizá-los.
Funciona
assim: quem se interessa leva o tecido que tem sobrando ao Banco. O material é
separado, higienizado e pesado. Depois, convertido em créditos: 10 kg de tecido
depositado equivalem a 7,5 kg em créditos que podem ser retirados quando a
pessoa quiser, sem prazo para expirar. Esses 25% restantes ficam como comissão
do Banco, necessária para gerir o negócio. “O banco é um sistema de circulação
de tecido de reúso. Essa é a definição da proposta de valor”, diz Luciana.
Aqueles
que precisam retirar mais do que depositaram – ou simplesmente querem comprar
sem ter material de troca — podem pagar a diferença, ao preço de 45 reais
por quilo. O valor estabelecido é um pouco abaixo da média do mercado. A
fundadora fala a respeito dessa escolha:
“O
acesso ao material faz parte da sustentabilidade. As coisas têm que ter um
valor justo. Se você dificulta o acesso, deixa de gerar abundância e
passa a gerar escassez”
De
2012, quando teve a ideia, até janeiro de 2015, quando abriu a loja,
passaram-se quase três anos, em que o projeto foi tomando forma, sempre
atento a sugestões dos usuários que apareciam com novas demandas. “O Banco de
Tecido nasceu da necessidade de um profissional 100% novo”, diz Luciana.
Durante mais de um ano, funcionou apenas no boca a boca, totalmente na base de
trocas.
Um único “correntista” depositou de uma vez só 20 rolos de tecido no Banco. 75% se tornam créditos de troca, 25% ficam de comissão. |
Em
2014, ela percebeu que precisava organizar melhor sua rotina
e desacelerar: foi quando fez um registro de marca e, com isso, veio
o plano de negócio. Luciana recebeu orientação do Sebrae e contava
com a ajuda de uma amiga, sócia na época. A troca de ideias rendeu, por
exemplo, os conceitos de algo que já existia, mas que não tinha recebido o
devido nome: Economia Criativa e Economia Circular.
Foi
aí, em 2015, que a empresa contratou a primeira funcionária, Andressa
Burgos, que atende os correntistas do banco. Hoje o Banco tem 1,5 tonelada de
tecido no estoque e 250 correntistas cadastrados, entre costureiras, artesãs,
pequenas marcas e estudantes de Moda e Artes. Marcas médias que investem na
sustentabilidade também fazem parte da cartela de clientes, como a Insecta Shoes, a Panacéia e a marca Flávia Aranha.
Se
em Janeiro de 2015 o faturamento do Banco de 600 reais por mês, em
setembro deste ano chegou a 6 mil reais, atingindo o break even em
fevereiro. Uma escalada ascendente que gera recursos reinvestidos no próprio
negócio. Os únicos investimentos feitos, foram se pagando: anúncios em veículos
locais, fotos, criação do site, que somaram cerca de 10 mil reais. No
começo, não foram necessários outros aportes porque a estrutura era toda do escritório
de Luciana, o Lupa.
Hoje,
as contas são separadas e a comunicação, no entender da fundadora, ainda é a
principal fortaleza do negócio: os mais de 8 mil fãs do
Facebook, por exemplo, são o que fazem o negócio continuar girando enquanto a
empresa se prepara para o seguinte passo.
À
MARGEM DA VELHA INDÚSTRIA, À FRENTE DA NOVA ECONOMIA
A
forma de produção das tecelagens hoje em dia, conta Luciana, obriga donos de
confecção a comprar muito mais material do que precisam, pois existe uma
quantidade mínima para venda. As marcas cedem, pois precisam de certa
exclusividade do material. Isso faz com que toneladas de tecidos sejam
desperdiçadas e os gastos com as sobras sejam embutidos no valor final. O
resultado são preços inviáveis em produtos de marcas de médio porte no Brasil.
Luciana fala:
“O
modelo de negócio industrial que existe hoje só é viável para muito poucos. Por
muito tempo, ele foi apresentado como se fosse o único, mas não é”
Ela
prossegue: “O mundo está revendo todos os seus modelos de negócio, de cabo a
rabo. E agora a bola da vez é a moda”. O Banco trabalha basicamente
com sobras de confecções e ateliês. Nesse meio, é importante diferenciar sobra
de resíduo. Luciana não trabalha com resíduo (ou seja, tudo aquilo que não
gera mais costura), mas aceita retalhos, cortes (a partir de 1,20 metro) e
sobras de roupa (acima de 10 metros).
A
maioria dos “correntistas” que procuram o Banco já têm essa nova visão de
cadeia da moda: muita gente de upcycling, há quem venda peças únicas, pessoas
que só comercializam via Instagram. Para se ter uma dimensão da quantidade de
material disponível, apenas um ateliê na Vila Madalena depositou, de uma só vez,
20 rolos de tecido.
A
idéia é que, no futuro próximo, o Banco de Tecidos torne-se uma plataforma
online — eliminando a necessidade do estoque físico, como há hoje. Com isso, o
estoque não será feito pelo banco, e cada pessoa divulga a quantidade de material
que tem sobrando. Isso permitirá, por exemplo, atender a demandas maiores, de
grandes empresas, e inclusive demandas internacionais. “Estamos sempre abertos
às necessidades do usuário”, conta Luciana, que vê este um ano e meio como um
período de validação, com reajustes de rota sempre que necessário.
Atualmente,
a empresa passa por duas acelerações: da Apex-Brasil e ICV Global, com
finalidade de internacionalização, em meio a 40 empresas sustentáveis do
Brasil, e na aceleração da Social Good, que incentiva soluções digitais para
iniciativas sociais. O Banco de Tecidos foi eleito uma das 10 empresas mais
inovadoras na área têxtil segundo a C&A Foundation e a Ashoka, dentre
iniciativas de 55 países. Junto com Alinha e o Retalhar, foi uma das três iniciativas brasileiras premiadas em uma
conferência na Dinamarca de 300 projetos inscritos no mundo. É também um dos 12
selecionados para o Guia de Sustentabilidade da Faculdade Getúlio Vargas.
O
modelo de negócio é, aliás, um grande destaque no meio de sustentabilidade.
“Muita gente chegou até o Banco no ano passado e aí que eu entendi que as
pessoas estão mesmo procurando isso. Há uma rede de pessoas muito preocupadas,
na moda, e que têm voz agora por conta, por exemplo, do escândalo que foi o
desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, onde funcionavam fábricas de
roupas fast fashion. Depois daquilo, tudo mudou. Pessoas que estavam
quietinhas, achando aquilo tudo um absurdo, ganharam voz. Então essa rede
começou a vir à tona”, conta ela.
COMO
É QUEBRAR PARADIGMAS AOS 47 ANOS
Luciana
conta que quando chegava aos eventos de aceleração ou encontros de startups
achava que ia ser a mais velha da turma. Engano seu. No hackaton focado em
sustentabilidade realizado pela Fiesp, no ano passado, encontrou gente de todas
as idades e um ambiente de trocas rico, que a seu ver foi a melhor
surpresa. Ela tinha uma proposta, mas não tinha um grupo de trabalho. Encontrou
o que precisava: um grupo de jovens da Ticket, sem um projeto. Saiu de lá com o
protótipo da plataforma para o Banco de Tecidos e com orçamento feito. O
desafio agora era conseguir montar uma equipe e dinheiro para botar em
funcionamento.
De cenógrafa a empreendedora social, Luciana mira o futuro. |
Luciana
gosta de falar, é boa comunicadora. Tanto que consegue associar os conceitos de
empreendedorismo às técnicas do teatro: “Muitas coisas que hoje em dia se
aprende nas faculdades, a gente já usava no teatro. Canvas, Jornada do Herói. A
gente fazia isso direto na produção”. Formada em design gráfico pela FAAP, ela
trabalhava com produção de eventos desde jovem, junto com a tia publicitária.
Aos 27, assumiu a cenografia como profissão, fez MTV, teatro, comerciais,
séries, musicais. Trabalhou com grandes nomes do teatro, como Antunes Filho,
J.C. Serroni, Gerald Thomas.
O
negócio social que tem hoje, nascido da evolução de uma iniciativa
despretensiosa, veio como um resgate num momento de crise nos meios em que ela
atuava. “Estávamos terminando uma peça em cima de um livro do Milton Santos,
sobre globalização e neoliberalismo. Saí desses oito meses de processo
deprimida. Sentei com uns amigos, todos na casa dos 40 anos, pensando que o
mundo ia afundar, que não tinha saída. Mas a última frase era otimista! Dizia
que não tinha como ficar pior, as coisas iam melhorar. Logo depois, começaram
todas as manifestações da era digital. Isso foi há sete anos”, conta, e
prossegue:
“Hoje,
entendo e vejo que há lugar para todo mundo no mercado. Há dez anos não dava
para ver esse lugar”
Ela
continua se dedicando, ainda que bem menos, à produção cenográfica, mas divide
as 24 horas do dia com aulas de Direção de Arte na Academia Internacional de
Cinema, com os dois filhos gêmeos de 10 anos, e, claro, com o Banco de Tecido,
ao qual dedica 50% do tempo. Isso dá cerca de 16 horas de
trabalho por dia, sobra pouco tempo para dormir, mas ela está onde queria. “Não
sei se teria andando tanto com o Banco se ele não tivesse sido tão
reconhecido. Acredito nele, mas também porque as pessoas acreditam”, afirma.
Hoje,
ela conta com a parceria de Mateus Piveta, que faz o marketing, e duas amigas,
Luciana Arruda e Marcella Starling, de um escritório de advocacia, que cuidam
dos contratos jurídicos e direitos de imagem. A intenção é que eles se tornem
sócios efetivos e, juntos, façam o projeto crescer.
O
DILEMA DE CRESCER OU CRESCER
A
demanda de grandes empresas existe, mas o Banco ainda não tem estrutura
para atendê-las — é nisso que estão trabalhando. Usam as métricas e o
conhecimento fornecido pelos programas de aceleração para, até maio do ano que
vem, se estruturarem para entender o tamanho do desafio e poderem, a
partir disso, buscar investimento. Em paralelo, já existem 12 pedidos de
abertura de lojas do Banco de Tecido pelo Brasil, acumulados desde 2015.
“Ou
estruturo e coloco mais dinheiro para o negócio crescer, ou ele está dando mais
trabalho do que retorno e não vai valer mais a pena”, diz Luciana. “Tenho
dúvidas se é um investimento bancário a melhor modalidade para nós. Ao mesmo
tempo, existem vários tipos hoje: Mas quando falamos sobre isso, vimos que o
negócio não estava estruturado sequer para receber esse dinheiro.” Ela conta
que, em 2017, quer efetivamente começar a buscar recursos externos. “Não
sei qual a melhor forma de investimento para o projeto. Na minha cabeça, seria
uma junção de várias, para cada área do negócio”, diz. Tipo um banco de
retalhos? Talvez. Por que não?
DRAFT
CARD
Projeto: Banco
de Tecido
O
que faz: troca e comercialização de tecido de reuso
Sócio(s): Luciana
Bueno
Funcionários: 4
(incluindo a sócia)
Sede: São
Paulo
Início
das atividades: 2014
Investimento
inicial: R$ 10.000
Faturamento: R$
5.000 mensais em média
Contato: bancodetecido@lupa.art.br
e (11) 4371-3283
Fonte:
Projeto Draft